Pois é. As duas semanas de ferias em terras do Alentejo desta vez passaram a uma só, quer pelo facto de ter de preparar comida para o meu pai, quer pelo facto de não o poder deixar sozinho tanto tempo, quer ainda por ter uma consulta com o puto para ver como andam os ouvidos dele. E foi bom ouvir a médica dizer que se ele não ouve é porque é preguiçoso, aproveitei logo para o relembrar que a escova do cabelo é excelente para a audição...
Seja como for, pelo menos por uma semaninha lá fomos para a Costa Vicentina, a menina vadia carregada de tralhas e boa disposição. Digamos que não haverá muito a dizer porque já passei ferias nestes locais em anos anteriores, repetiram-se as caras que reencontramos com prazer ano após ano, as praias do Carvalhal e da Amália, o Slide & Splash (fomos a todas as pistas), a piscina, os pic-nics, as jantaradas no Bexa, A Fatacil e os Xutos em Lagoa, a Zambujeira do Mar, a visita da amiga Manelita dos Caracois...
Ficam ainda algumas coisas novas como o facto de eu ter dado 10 euros ao puto para ele gerir e ir gastando aos poucos, normalmente nas máquinas e nos matraquilhos. Correu bem, ofereceu-me um isqueiro e pagou-me um café. E uma piada como no dia em que jogávamos matrecos e alguém que lá estava lhe perguntou se ele também era alentejano, ao que ele, de pronto, empertigado, respondeu: "Não senhor, eu sou português". Gargalhada geral...
Sardinhas assadas, bifes de atum e muita carne grelhada constituiram a ementa das férias. E também um cozido à portuguesa e uma visita ao Macdonalds em Lagos. Enfim, um pouco de tudo. E os fins de tarde a ver o por do sol e a inventar as imagens que aqui deixamos. É bom partir, é dificil regressar. Como já em tempos li, a parte mais dificil de partir é regressar...
A nossa sorte é que para o ano o Alentejo volta a estar lá. De certeza. A gente vê-se por aí...
Coisas de uma mente desocupada, esta coisa de congeminar ideias e pensamentos. E formas de entender os sentimentos que nos cruzam o ser. Isso de deitar a cabeça e dormir parece nem sequer ser possível quando o raio de uma ideia teima em crescer e ganhar laivos de sentimento. Pelo menos de sentimento de gente, tal como me creio. Ou não, como pensarão outros. Debato-me, analiso-me, penso acerca de mim, os olhos no escuro do tecto do quarto, a luz que entra pela janela de persiana aberta, a manhã que vai chegando em passadas largas trazendo consigo a vida que tenho de ir ganhar...
Acaba por ser apenas o desenvolvimento de uma ideia, a de que amar é e será sempre uma inevitabilidade. De facto, perante a nossa condição humana, a pré-disposição para amar estará sempre presente no nosso ser, se a manifestamos ou não, se a deixamos existir, se a vivemos, isso já será outra conversa. Não creio, no entanto, que tenhamos forma de fugir a este facto porque tenho, para mim, que todos nós, perante esta inevitabilidade, acabamos por ter de libertar esse sentimento que nos jorra do peito...
Seja da maneira que for, que quando toca a amar acredito que este sentimento se pode manifestar das mais variadas formas. Algumas perversas e doentias até. E seguramente muito discutíveis, mas também não é esse o assunto que agora me faz pensar porque isto daria um tratado, de certeza. Logo eu que sou sempre denominado de gajo frio sem sentimentos e sem saudades de ninguém. E sem olhar para trás a maior parte das vezes. Ou que, quando olha, limita-se a aceitar com a consciência de que o passado é para ser como é. Inevitávelmente...
De repende dou comigo a alinhavar palavras acerca de amar, a fazer contas a sentimentos e ao facto de, seja como for, acabarmos sempre por amar. Isto devem ser vontades. A verdade é que eu próprio, nos últimos anos, nunca deixei que o amor voltasse a mim. Não sei se é simplesmente assim ou se controlo o meu sentir, mas sei que é, de todo, muito pouco saudável. Embora não sinta a falta de amor porque a presença do meu filho acaba por suprir todas as carências afectivas que eventualmente tenha...
Por isso acabo por sentir que amar, mesmo para mim, acaba por ser inevitável, se não for pelo amor pleno de uma mulher, será pelo amor puro de uma criança. Seja como for, até simplesmente pelo sorriso que resulta de um abraço, pelo carinho que sobra de uma lágrima, pelo sentimento que resulta de uma partilha...
É mesmo isso. Amar é. Simplesmente...
A gente vê-se por aí...
É bom abalar, calcorrear caminho e depois descobrir e relembrar o que fica para trás. É muito bom que o tempo tenha todo o tempo para fazermos dele o que quisermos. É imensamente bom que locais novos nos alarguem horizontes ou nos tragam recordações de antanho que ajudaram a construir o que somos hoje...
É por isso que ir à Festa do Avante não depende do cartaz de actividades culturais (enorme), nem passa por ser mais um festival no roteiro dos muitos que há por esse país fora. Ali vai-se pelo convívio, pelo reencontro, pelo admirar do resultado das jornadas de trabalho, pelos sorrisos de tantos companheiros, pela cor política e por tudo o resto. Porque este é um local diferente, cheio de um espírito diferente...
De facto, foi por estas razões que este fim de semana fui até ao nosso santuário, a Quinta da Atalaia, no Seixal, para assistir a mais uma edição da Festa do Avante. Mochila às costas com roupa, uma mala térmica com uns comes e bebes, máquina fotográfica a tiracolo, "aí vamos nós de novo na estrada", sem saber muito bem onde dormir, mas isso também se via depois. À chegada, a imensidão de gente, velhos e novos, uma confusão enorme de carros, autocarros, camiões, roulottes, autocaravanas e até barcos (esses já lá estavam, nos estaleiros)...
Montadas as tendas dos companheiros de jornada, gente não muito habituada a lidar com iglos, estacas, varetas e afins, tempo de procurar uma sombra para o "almoço em família", uma espécie de piquenicão onde todos petiscam aqui e ali (ai o franguinho da Isaura regado a branquinho do Zé, a meias com umas mines, e os pasteis de bacalhau da Palmira!!!), depois mochila às costas e ala para as festividades. As malas ficam na tenda que aqui ninguém rouba nada a ninguém, dizem...
O ambiente da festa fascinou-me, a quantidade enorme de actividades, bandas, bombos (os de Viana, pá, e os Toca Rufar!!!), as muitas exposições, os concertos constantes no Palco 25 de Abril, os debates, os comes e bebes que cada terra traz, o muito vinho fresquinho, a cerveja sempre em todos os cantos. Da minha terra, Coimbra, cá foi a chanfana e o porco no espeto com arroz de feijão, uma delícia...
Fascinou-me, acima de tudo, não ter visto uma única zaragata no tempo que lá estive. Velhos e novos, com melhor e pior aspecto, ou por outro lado, com aspecto diferente, com maiores ou menores bebedeiras, à boa maneira dos Peste & Sida com moshe e tudo, pretos, brancos, amarelos, punks, metálicos, rastas, betos, camaradas aos montes, sempre um sorriso perante qualquer assomo de inquietação. Até na altura do moshe dos Peste, se encontrava sempre um sorriso perante determinados voos...
Saliento ainda as excelentes sardinhas assadas, sardinhas "escamudas", que comi em Alcochete, local onde acabei por dormir. Um almoço de estalo no Domingo com um excelente vinho branco a acompanhar, dois jarritos, que aqueceram a alma e a vontade de voltar para a festa, pois não há mesmo festa como esta. O reencontro com camaradas do Alentejo, o conhecer uma nova companheira que se diz "relativamente feia", mas que achei bem gira, de rosto rematado por boina espanhola...
Um mundo, é verdade. Quer nas actividades, nos participantes, na quantidade de gente que subiu ao palco para os discursos, nas bandeiras vermelhas, azuis, brancas, verdes, nos cravos vermelhos que andavam de mão em mão, quer na aceitação das diferenças e na luta por um mundo que seja solidário para todos. Em termos musicais, gostei dos Kazua, dos Peste & Sida (estes são do meu tempo), do Vitorino, do Willie Nile e, acima de tudo, dos desconhecidos (para mim) Os Zé Pedro dos Xutos, com o hit "Desatinei" e o refrão "Sou o gay da minha aldeira". Procurem no Youtube pela palavra desatinei, são espectaculares...
Os comunistas têm razão quando dizem que não há festa como esta. Porque não há mesmo. Eu já lá não ia à mais de 20 anos, mas voltei a ficar seduzido por este mundo. Só um remate: o afamado leitão dos Negrais não merece tal destaque, mas o vinho que o acompanhava era uma delícia. Desculpem lá, camaradas dos Negrais, mas o vosso acepipe não nos encantou, embora acredite que é defeito nosso por termos como comparação o leitão da Bairrada...
Para fim de festa os discursos e a posterior debandada geral. Não sem que antes o espaço em frente ao Palco 25 de Abril se transforme numa verdadeira rave com toda a gente a dançar a musica da campanha. Como diriam os Xutos, "pessoal, até para o ano". Porque, apesar de todas as tentativas para acabar com esta manifestação politica, para o ano vai haver mais...
Porque a luta continua. A gente vê-se por lá...
Por muitas lutas que traves na tua vida, haverá sempre coisas que nunca terás a liberdade de possuir sózinho...
São corpos que se anseiam, olhares que se amam, seres que se desejam. São caminhos que se embrenham por entre serras e montes, dedos entrelaçados cujos nós brancos demonstram a força com que se agarram. São almas vadias feitas de amor negado, de dias tão grandes e sempre tão pequenos. São carinhos ávidos de tudo, possuidores de nada. Porque o que resta no fim é sempre a estrada de regresso...
Os olhos percorrem olhos, tristes, perdidos, vazios. Faltam-lhes o brilho da vida, de poder querer, de deixar viver, de deitar a amar. Apenas brilham lágrimas de amor negado, da saudade apartada, de tudo o que não se podem permitir viver. Porque são vidas de outras vidas construídas, vidas de outras vidas preenchidas, vidas por outras vidas destruídas. Ah, pudera a vida querer mais...
Era de ficar por lá, eternamente. A cabeça deitada no ombro, olhando a água que, a espaços, desaparece por entre os bancos de névoa que demanda a serra. Árvores e rochas que se escondem daquilo que trocam, que guardam aquilo que sentem. E trocam tudo, tudo o que podem, porque a vida é feita a correr. Nestes dias especialmente. Mesmo que o nevoeiro os esconda do mundo...
São dias de tão pouco e mesmo assim de tanto, quando a vida acontece e o sonho se torna real. Porque amar não tem de ser uma obrigação, mas sim um prazer. Porque viver não tem de ser sempre feliz, mas pode até sê-lo a espaços. E porque a musica que os embala quando os seus corpos se tocam pode acabar por ser eterna. Pelo menos eternamente terna...
O resto fica lá, por entre o nevoeiro, nos dias quentes que findam, nos dias frios que se aproximam. Como se até a névoa quisesse proteger esses amantes vadios, como se até a natureza quisesse acarinhar este amor que nunca será. Mas que, no fundo, é. Pelo menos por lá, pelo menos para eles, pelo menos em dias de sentir...
Porque há locais que nunca esquecem. Mesmo por entre o nevoeiro...
Para uma mulher especial
JC
Um choro rasgado
Um brilho no olhar
O primeiro anito
O desejo de te amar...
Vivemos a três
os dois anos teus
Sai então um sorriso
E ainda abraços meus...
Três anos já tens
pequeno homenzito
Hora da escolinha
Acorda lá, pequenito...
E os quatro a caminho
Esse teu bravo olhar
Anda lá meu menino
Miminhos a dobrar...
Cinco anos já feitos
Senhor do teu nariz
Vai uma futebolada
Meu meiguinho petiz
E os seis que já foram
Meio homem a sério
Companheiro de muitos dias
A vida é um mistério
Sete anos de vida
Aprender a amar
A avó que partiu
Faz tão bem chorar...
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